Perdão é chave que abre portas.
Cada esbarrão pode ser transformado num encontro;
cada trombada, num abraço; cada disputa, numa partilha
A vida é muito curta para ser pequena.
Pronunciada por um anônimo senhor de 80 anos, lá de Palmas (TO), essa frase
grudou no meu coração. Perguntei para um monte de gente o que se podia aprender
com ela. Minha filha fez o melhor resumo: “Curta em relação ao tempo, pequena
em relação ao significado”. Um dos amigos de corrida matinal fez a melhor
paráfrase: “A vida pára muito rápido para ser insignificante”. Coisa estranha é
essa de gente cujo fim da vida tem sobra dias e falta de significado. Imagino
que Deus olhe para baixo e me aponte para um anjo: “Veja o Ed René, os dias
dele estão se esgotando, mas ainda não fez nem a metade de tudo quanto sonhou”.
Imagino também a mesma conversa a respeito de alguém menos ocupado em viver:
“Veja o fulano – ainda têm pela frente muitos dias, mas ele se arrasta como um
suplicante que já gostaria de ter encerrado a jornada”. Existem aqueles que
passam a vida a sonhar, como avião sem trem de pouso, sempre voando, sem
conseguir voltar ao chão. A respeito desses tais a gente costuma dizer que
vivem no mundo da lua. Há também os que são rasteiros – caminham como burros de
carga, pensos, cabeça voltada ao chão, dispendendo as últimas energias para
conseguir mais um passo. Maldosamente se comenta a respeito dos tais que já
morreram e esqueceram de enterrar. O bom mesmo é sobrar significado na vida, ou
como se diz no chavão popular: melhor é acrescentar vida aos seus anos do que
anos à sua vida. Mas isso não é para qualquer um. Viver é uma arte, e como
dizia Guimarães Rosa, é muito perigoso. Fácil é apequenar a vida. Torná-la
grande é quase uma graça, graça dos céus. Parei para me perguntar o que faz
apequenar a vida. Ouvi sugestões de muita gente. A mágoa, o ressentimento, e a
incapacidade de perdoar, por exemplo, apequenam a vida. Quando alguém não é
bem-vindo no nosso coração, tudo que nos faz lembrar a pessoa passa a ser
evitado ou fazer mal. Por causa disso, a gente deixa de ir em festa, freqüentar
determinado restaurante, ouvir aquela música e acaba jogando um monte de CD e
livro fora. Ah, e rasga fotos lindas. A vida fica pequena. Gente, além de fazer
falta, é indispensável. Quando esses sentimentos ruins dão as mãos para o
desejo de vingança, então, a vida fica tão pequena que parece uma gaiola. Dá
arrepios só de pensar. O medo também faz apequenar a vida. Geralmente o medo
aparece quando a memória encontra um arquivo danificado: uma experiência do
passado mal resolvida. Cada vez que a gente se vê numa situação semelhante, a
memória emocional apita e o medo aparece piscando suas luzes amarelas e
lançando gás paralisante para todo lado. O medo do fracasso, da rejeição ou do
sofrimento. Por causa do medo a gente perde oportunidades, rejeita ofertas
irrecusáveis, evita abrir o coração, vive dizendo mais não do que sim. A culpa,
então, essa sim faz apequenar a vida. Culpa pelo que foi feito e pelo que não
foi feito. Culpa falsa e culpa verdadeira. A culpa por frustrar o desejo dos
outros, por não conseguir alcançar o padrão estabelecido, ou a mais simples – a
culpa por ter feito uma tremenda besteira. Besteira grande tem conseqüências
irreversíveis. Os efeitos não são necessariamente ruins, mas porque são
resultado de besteiras, geralmente convivemos mal com as tais conseqüências,
pois nos lembram sempre das besteiras que a elas deram origem. Culpa das
grandes são aqueles que feriram pessoas que amamos. Parece impossível tirar da
memória a dor do outro, e seríamos capazes de quase qualquer coisa para voltar
ao passado e fazer a curva uma esquina antes. Mas não dá. Como ouvi de uma amiga,
a vida é muito curta e não dá tempo de passar a limpo. De fato, não dá para
apagar as partes que a gente não gostou e transcrever somente as partes boas. A
vida é assim; vai adiante com tudo, luzes e sombras. E alguma escuridão. O
labirinto construído pelo ressentimento, o medo e a culpa é quase sem solução.
A maioria das pessoas fica rodando lá dentro, batendo a cabeça nas mesmas
paredes e repisando o mesmo chão. Isso significa que ficam reforçando as mesmas
emoções, consolidando os mesmos sentimentos e afundando ainda mais os sulcos da
pele que desenham o sofrimento. São eles que deixam a pequenez da vida
estampada na cara. Minha vivência pastoral me ensinou que quase todos os
conflitos vividos dentro deste labirinto podem ser resolvidos por uma só palavra:
perdão. Perdoar quem nos feriu. Perdoar quem nos traiu. Perdoar quem nos
rejeitou. Perdoar quem usurpou partes da nossa vida. Perdoar quem não nos
aceitou. Perdoar quem nos exigiu demais. Perdoar quem nos exigiu de menos.
Perdoar quem desistiu de nós. Perdoar quem nos rogou praga. Perdoar quem fez
sofrer as pessoas que a gente ama. Enfim, perdoar um montão de gente, e
principalmente, perdoar a nós mesmos. O problema não é apenas que a vida é
muito curta. O espaço de viver é muito estreito. A gente se esbarra o tempo
inteiro. E a maioria dos esbarrões tende a nos fazer apequenar a vida. Por
isso, o perdão é uma chave que abre portas e nos remete a horizontes cada vez
mais ilimitados. Cada esbarrão pode ser transformado num encontro. Cada
trombada num abraço. Cada disputa numa partilha. Cada caminhada numa excursão.
E se é verdade que uma andorinha só não faz verão, só compartilha o céu quem
oferece perdão.
Autor: Ed René Kivitz
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